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Brasil

Governo Lula vê imensa dificuldade para se reaproximar dos evangélicos


26/01/2024 10h24 - Fonte: Veja

 Indispensável para conquistar votos, o contingente de eleitores chegou a apoiar o presidente no passado 

Em nenhum lugar do mundo se observa uma revolução da fé tão intensa quanto a promovida pelas igrejas evangélicas no Brasil. Diferentemente do que aconteceu na Europa, onde os países de maioria protestantes levaram séculos e algumas guerras sangrentas para pôr o catolicismo em segundo plano, em apenas seis décadas a quantidade de brasileiros que se identificam com essa corrente do cristianismo passou de 3,6% da população, em 1950, para 22,2%, em 2010, ano mais recente dos dados oficiais do Censo que estão disponíveis. Atualmente, estima-se que essa fatia chegue a um terço da população e, segundo cálculo do demógrafo José Eustáquio Alves, em apenas oito anos os evangélicos serão maioria no país.

“O segmento é muito coeso, tem uma estrutura interna hierarquizada e passou a representar uma parcela enorme do eleitorado. Nenhum outro grupo apresenta esse perfil”, diz Felipe Nunes, cientista político 

da Quaest Consultoria e Pesquisa. Celebrado em cultos lotados, o avanço representa uma tremenda dor de cabeça para o Palácio do Planalto — as grandes denominações cerraram fileiras em torno do 

bolsonarismo e, por mais acenos que faça, o presidente Lula, passado um ano da posse, segue sendo um filisteu no universo dos crentes. 

No contexto mais amplo, trata-se de um relacionamento fadado a controvérsias, com um rosário de queixas de parte a parte. Ao mesmo tempo que reconhece a relevância de abrir espaço em um grupo tão estratégico, Lula hesita em ceder a todas as pressões das principais lideranças religiosas que compõem a influente Frente Parlamentar Evangélica, a chamada bancada da Bîblia no Congresso.
A interlocutores, o presidente tem dito que não acredita que elas simplesmente deixarão de fazer os ataques que vêm lançando nos púlpitos e redes sociais desde a campanha eleitoral de 2022. “Os pastores que mentiram a meu respeito sabem que não estão falando em nome de uma religião séria ou em nome de Deus", disparou
durante cerimônia da reinauguração da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Do lado de lá, o pecado mais comentado no momento é a revogação pelo governo de um benefício tributário, concedido por Jair Bolsonaro, que isenta de contribuições previdenciárias os pastores cuja renda depende exclusivamente de doações de fiéis, as chamadas prebendas. A medida causou revolta nos integrantes da bancada da FPE."O PT usa sempre a mesma prática de criar dificuldades e, assim,forçar uma negociação, mas, o que eles escrevem com a mão, apagam com o cotovelo", diz o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ),vice-presidente da Frente.

Na costumeira ação de morde e assopra que pauta a relação, depois do anúncio da medida o ministro Fernando Haddad fez questão de telefonar para deputados da FPE e se reuniu com parlamentares ligados às igrejas Universal do Reino de Deus (Iurd), Internacional da Graça de Deus e ao Ministério de Madureira da Assembleia de Deus.Ouviu apelos pela volta do benefício, mas evitou se comprometer. O impasse levou à escalação de Jorge Messias, advogado-geral da União e evangélico do tipo moderado, para mediar a contenda.

Aproveitando a deixa, Messias tentará abrir um caminho das pedras no oceano que separa o governo dos fiéis. "É preciso reconstruir as pontes com as diferentes denominações evangélicas com as quais o governo já manteve relações", disse ele a VEJA. Um dos partidos mais abertos ao diálogo é o Republicanos, ligado à Universal, que apoiou Lula em seu longínquo primeiro mandato, afastou-se dele na campanha de 2018 (0 bispo Edir Macedo chegou a dizer na ocasião que o diabo tinha nove dedos) e, recentemente, pediu desculpas pelas agressões."Não dá para ser oposição a nenhum governo", admite um alto quadro da Iurd.

Outro ponto de tensão tratado como prioritário no Planalto é uma Proposta de Emenda à Constituição que tramita à sua revelia no Congresso e regulamenta a isenção de impostos para todas as entidades religiosas presentes no Brasil e também às organizações assistenciais e beneficentes vinculadas aos templos. O governo dificilmente conseguirá impedir que a matéria, que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça, seja apreciada até a Páscoa, mas trabalha para restringir sua aplicação. Serviços sociais sob CNPJ das igrejas e até reformas de seus imóveis seriam contemplados, mas a compra de bens como carros e aviões ficariam de fora. "Já há algum consenso nesse sentido. Estamos discutindo uma maneira de definir como a isenção será aplicada", revela André Ceciliano, assessor da Presidência que admite a possibilidade de um sistema de devolução de impostos, no modelo cashback.